Introdução

Ao emoldurar belas paisagens de Extrema e região bragantina, o Morro do Lopo evoca continuamente capítulos da história da delimitação dos limites entre Minas Gerais e São Paulo, demonstrando, sobretudo, a força da demarcação efetuada por Thomaz Roby de Barros Barreto do Rego, em 1749.

No dia em que se completam 240 anos do falecimento de Thomaz Roby, a Secretaria Municipal de Cultura de Extrema traz aos munícipes a exposição virtual “O Morro do Lopo e a Demarcação de Thomaz Roby (1749)”. A presente exposição busca elucidar como o Morro do Lopo - marco referencial na paisagem de Extrema - tornou-se, um dos marcos geográficos balizadores dos limites existentes entre a Capitania de Minas Gerais e o Governo de São Paulo, pela Demarcação de Roby.

Para tanto, a mostra apoia-se em documentos pertencentes a arquivos do Brasil e de Portugal e em pesquisa bibliográfica que trata da história dos limites entre Minas e São Paulo. Nesse contexto, tem destaque o conteúdo de um documento que, graças à gentil colaboração do Arquivo Histórico Ultramarino (Portugal), desde julho de 2020, pode ser acessado, a cores, na plataforma do Projeto Acervo Digital Regional de Extrema. Trata-se de um ofício remetido, em outubro de 1749, por Roby - então ouvidor da Comarca do Rio das Mortes - a Gomes Freire de Andrade, governador da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, para tratar da forma como ocorreu o estabelecimento da divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Referimo-nos a um documento que contém também cópias da Instrução expedida por Gomes Freire a Roby (para efetuar a referida demarcação) e do “Auto” da divisão efetuada por Roby, em setembro de 1749 - conteúdos que provocaram protestos em São Paulo, a partir de 1749 e repercutiram ao longo de quase duzentos anos.

Para tratar da Demarcação de Roby (estabelecida meses antes da assinatura do Tratado de Madri), a presente exposição está estruturada em 4 módulos.

No primeiro módulo, abordamos um resumo dos antecedentes da Demarcação de Roby, isto é, os esforços empreendidos por autoridades e por moradores do Brasil desde meados da década de 1710 para tentar estabelecer uma divisa entre as Vilas de São João del Rei e de Guaratinguetá. No segundo módulo, tratamos da Demarcação de Roby e do contexto no qual se verificou o estabelecimento da referida divisa. No terceiro módulo, abordamos uma breve biografia de Roby – português natural da Vila de Viana do Castelo (Norte de Portugal) que, a partir de uma ordem de Gomes Freire de Andrade, efetuou a demarcação de 1749. No último módulo, vemos como a referida demarcação foi recebida e interpretada por algumas autoridades de Minas Gerais e de São Paulo, no contexto das disputas verificadas, no século XVIII, entre moradores das referidas capitanias pela posse de uma ampla região situada no atual Sul de Minas.

Referimo-nos a uma divisa que buscou garantir a Minas Gerais a posse da região situada ao norte do Morro do Lopo e, cuja linha divisória, em grande medida, foi confirmada na demarcação dos limites aprovada pela Lei Federal nº 375, de 7 de janeiro de 1937.

Rafaela Ferreira da Silva
Extrema, 24 de fevereiro de 2021.

MÓDULO 1 – ANTECEDENTES

Documentos elaborados em Minas Gerais e em São Paulo, no século XVIII, evidenciam que pouco tempo depois do “término” do levante dos emboabas e da criação da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, em 1709, a questão da divisa entre as Vilas de Guaratinguetá e de São João del Rei já ecoava pelo Estado do Brasil.

Com efeito, em abril de 1714, autoridades das Minas, reunidas na Vila de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana), na presença de Dom Braz Balthazar da Silveira, então governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, deliberaram que, a partir de então, a Serra da Mantiqueira passaria a demarcar os limites entre as vilas de São João del Rei e de Guaratinguetá. Em setembro do mesmo ano, autoridades da Vila de Guaratinguetá lavraram um auto de posse no Morro do Caxambu – local que, de acordo com os paulistas, demarcava os limites entre as duas referidas vilas.

Após a criação da Capitania de Minas Gerais, como uma unidade independente (em 1720), a questão da referida divisa ganhou força. As decisões adotadas por Dom João V (em 1720, em 1722 e em 1731) não foram capazes de encerrar essas contendas. Envolveram-se também na discussão sobre os referidos limites, Antonio Pimentel, governador de São Paulo e seu sucessor, o conde de Sarzedas (que, em 1733, convidou o governador de Minas Gerais para tratar da divisa). Estes, contudo, não tiveram êxito na questão. Em fins da década de 1730, o então ouvidor da Comarca do Rio das Mortes (uma das 4 comarcas de Minas Gerais), Cipriano José da Rocha, a partir de uma ordem de Martinho Proença, então governador de Minas Gerais, registrou a posse sobre regiões do Rio Sapucaí e do Rio Verde.

No início da década de 1740, conflitos de jurisdição foram verificados nas referidas regiões e envolveram Gomes Freire de Andrade, governador do Rio de Janeiro (e das Minas Gerais), Dom Mascarenhas (governador de São Paulo), autoridades da Comarca do Rio das Mortes, oficiais da Vila de São João del Rei, entre outros. Na segunda metade da década de 1740, a descoberta de ouro em localidades situadas na margem esquerda do Rio Sapucaí desencadeou um novo conflito. Nesse contexto, teve destaque a atuação de Gomes Freire de Andrade. Além de emitir, em 1746, ordem para que os oficiais de São João del Rei atuassem na defesa de uma região que considerava pertencente a Minas Gerais, o referido governador remeteu ao Reino em 1746 e em 1747 cartas pelas quais tratou das “desordens” de 1743, 1744 e de 1746 (nas Minas do Rio Verde, Pedra Branca e Sapucaí) insinuando apoio aos interesses de autoridades do Rio das Mortes. Tais esforços e o teor de uma provisão régia datada de 1747 (pela qual o rei determinou que o “alto da Serra da Mantiqueira” deveria servir de limites entre tais capitanias) não conseguiram impedir que autoridades da Vila de Mogi das Cruzes (São Paulo), com o apoio de Dom Mascarenhas, continuassem a deter a posse da região oeste do Sapucaí, nesse período.

De forma significativa, por meio da provisão régia de 9 de maio de 1748, o rei, entre outros assuntos, comunicou a Gomes Freire que estava decidido a criar governo em Goiás e em Cuiabá e que, por julgar dispensável a presença de um governador em São Paulo, desejava que Dom Mascarenhas voltasse a Portugal. Nessa ocasião, El Rey ordenou que Gomes Freire passaria a administrar também São Paulo e, que os limites entre o governo de Santos e a área situada ao sul da Comarca do Rio das Mortes, seriam “pelo Rio Grande, e pelo Rio Sapucaí ou por onde vos parecer”. Essa matéria foi decidida por Gomes Freire de Andrade, em maio de 1749, quando incumbiu Roby de estabelecer a referida divisão entre Minas Gerais e São Paulo.

Detalhe da “Carta Chorografica da Capitania de S. Paulo em que se mostra a verdadeira cituação dos lugares por onde se fizerão as sete principaes divizoens do seu Governo com o de Minas Geraes. 1766”. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Detalhe do “Mappa da Capitania de S. Paulo em que se mostra tudo o que ella tinha antigamente the o Rio Paná. 1773”. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Detalhe de “ROCHA, José Joaquim da. Mappa da Comarca do Rio das Mortes, pertencente a Capitania das Minas Gerais: que mandou descrever o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor D. Antonio de Noronha Governador e Cap. am General da mesma Capitania. Jozé Joaqm. da Rocha o fez. Anno de 1777”. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.

MÓDULO 2 - O ESTABELECIMENTO DA LINHA DE ROBY

Para tratar do estabelecimento da referida demarcação, Gomes Freire de Andrade remeteu a Roby uma instrução datada de maio de 1749. Após considerar que, existia, no alto da Serra da Mantiqueira, um antigo marco divisório, no caminho que, do Vale do Paraíba seguia em direção às Minas Gerais, Gomes Freire ordenou que Roby, depois de chegar ao referido marco, deveria tirar uma “linha pelo cume da mesma Serra seguindo-a toda the topar com a de Mogiguaçu”. Desse ponto, segundo tal governador, a divisão deveria seguir sempre pelo cume das serras existentes naquela região até alcançar o Rio Grande.

Para dar cumprimento à ordem recebida, Roby registrou que se dirigiu para o Arraial de Campanha – onde tomou conhecimento de que, na margem esquerda do Rio Sapucaí, existia um movimento armado cujos integrantes pretendiam “estorvar a execução da Real Ordem”. De Campanha (e não do antigo marco situado na Serra da Mantiqueira) Roby passou para as margens do Rio Sapucaí e, após vencer a resistência de moradores locais, que defendiam a jurisdição de São Paulo, encaminhou-se ao Arraial de Santana do Sapucaí, atual Município de Silvanópolis. Nesse local, em 19 de setembro de 1749, passou a tratar da referida demarcação.

Segundo Roby, na presença de autoridades de Minas Gerais e de moradores locais, (alguns dos quais detinham grande experiência em percorrer aquelas regiões) foi lida a instrução de Gomes Freire de Andrade – que foi aceita pelos presentes. Por isso, para Roby a referida divisão ficou estabelecida na seguinte forma:

“do alto da Serra da Mantiqueira, em que se achava o marco tirada uma linha pelo cume da mesma serra vem esta em direitura ao Morro chamado do Lopo que é braço da mesma Serra da Mantiqueira, o qual Morro fica entre São Paulo e este Destricto do Sapucahy, seguindo a mesma Serra, e o seu Rumo passando Mogiguassú, e Rio Pardo, Sapucahy, emthé chegar ao Rio Grande acompanhando por um lado a estrada que vai de São Paulo para Goiazes ficará a dita divisão regulada”

Pela referida divisão, o Morro do Lopo passou a balizar o ponto situado na extremidade sul da linha divisória – que, a partir de então, passaria a demarcar os limites entre Minas e São Paulo.

Apesar de ter registrado o êxito alcançado no cumprimento das ordens de Gomes Freire de Andrade, Roby observou que, poucos dias depois de efetuar a divisão entre Minas Gerais e São Paulo, moradores da região do Sapucaí, elegeram, em Ouro Fino, um governador – “ousadia nunca dantes vista”. Por isso, segundo Roby, os líderes daquele movimento deveriam sofrer severo castigo.

Detalhe do “Auto da divisão que o doutor Thomaz Roby de Barros Barreto ouvidor geral e corregedor desta Comarca fez da Capitania destas Minas Gerais e Governo de São Paulo” – contido  no  “Ofício do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, Tomás Robi de Barros Barreto do Rego ao Governador e Capitão General da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Gomes Freire de Andrade. Vila de São João d´El Rei, 28 out. 1749. AHU_ACL_CU_023, Cx.3, D. 240”. Arquivo Histórico Ultramarino.

Detalhe do “Ofício do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, Tomás Robi de Barros Barreto do Rego ao Governador e Capitão General da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Gomes Freire de Andrade. Vila de São João d´El Rei, 28 out. 1749. AHU_ACL_CU_023, Cx.3, D. 240”. Arquivo Histórico Ultramarino.

Vista parcial do Rio Sapucaí.  Município de Silvanópolis – MG. Créditos: Elaine Cristina Carvalho

Vista parcial do centro de Silvanópolis – MG. Créditos: Jonaan Carvalho.

Detalhe do “Auto da divisão que o doutor Thomaz Roby de Barros Barreto ouvidor geral e corregedor desta Comarca fez da Capitania destas Minas Gerais e Governo de São Paulo” – contido  no  “Ofício do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, Tomás Robi de Barros Barreto do Rego ao Governador e Capitão General da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Gomes Freire de Andrade. Vila de São João d´El Rei, 28 out. 1749. AHU_ACL_CU_023, Cx.3, D. 240”. Arquivo Histórico Ultramarino.

Detalhe do “Ofício do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, Tomás Robi de Barros Barreto do Rego ao Governador e Capitão General da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Gomes Freire de Andrade. Vila de São João d´El Rei, 28 out. 1749. AHU_ACL_CU_023, Cx.3, D. 240”. Arquivo Histórico Ultramarino.

Vista parcial do Rio Sapucaí.  Município de Silvanópolis – MG. Créditos: Elaine Cristina Carvalho

Vista parcial do centro de Silvanópolis – MG. Créditos: Jonaan Carvalho.

MÓDULO 3 - SOBRE THOMAZ ROBY DE BARROS BARRETO DO REGO

Filho legítimo de Balthazar Robim (de Barros Barreto) e de Dona Leonor de Sá (Sottomayor),Thomaz Roby foi batizado no dia 18 de outubro de 1711, na Freguesia de Santa Maria Maior da Vila de Viana, Minho, Norte de Portugal. É o que pode ser visto no assento de batismo de Roby localizado pela equipe do Arquivo Distrital de Viana do Castelo, em dezembro de 2020, após contatos realizados pela Prefeitura de Extrema. No mesmo documento, vê-se que o nascimento de Roby ocorreu no dia 18 de setembro do referido ano, período em que seus pais viviam na Rua da Bandeira (Viana do Castelo).

Os seus avós eram, do lado paterno Baltezar Ruby de Lyma e Rego e D. Joana de Barros Caminha e do lado materno, Sebastiam Pinto Correa de Sottomayor e D. Izabel da Rocha de Abreu - todos cristãos velhos e nobres, conforme consta no Processo de leitura do bacharel Thomaz Roby (1740).

Roby estudou Leis na Universidade de Coimbra, na década de 1730. De acordo com Costa, em 1743, foi enviado ao Estado do Brasil, onde passou a atuar como ouvidor da Comarca do Rio das Mortes – uma das comarcas então existentes em Minas Gerais.

Quando atuava nessa função, como visto anteriormente, Roby efetuou a Demarcação de 1749 – período em que parece ter mantido amistoso relacionamento com Gomes Freire de Andrade. Depois disso, ocupou importantes cargos na América Portuguesa. Foi intendente dos diamantes na Comarca do Serro do Frio (Minas Gerais), chanceler da Relação da Bahia e governador do Estado do Brasil - cargo que ocupou interinamente até 1761. Por decisão régia datada do referido ano, Roby recebeu ordem para retornar ao Reino - uma das opções que havia pleiteado em meio aos desgastes ocasionados pela oposição de um coronel que questionava a escolha de Roby como governador do Estado do Brasil, após a morte do marquês do Lavradio.

Poucos anos após retornar a Portugal, Roby casou-se com D. Izabel Florência do Espírito Santo Fonseca, viúva de José Bezerra de Seixas. O matrimônio ocorreu em Lisboa, em 8 de maio de 1764 e contou com a presença do conde de Oeiras, e de seu irmão, Paulo de Carvalho e Mendonça, comissário geral da Bula da Cruzada (como testemunhas).

Quando faleceu em Lisboa, no dia 24 de fevereiro de 1781, o desembargador Thomaz Roby era conselheiro do Conselho do Ultramar. Roby não deixou filhos (reconhecidos). Foi sepultado na Cidade de Lisboa, no “Hospicio de Sua Magestade Fidelissima dos Religiosos de Santo Antonio, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição” - da Carreira dos Cavalos.

Assinatura de Thomaz Roby de Barros Barreto do Rego contida no “Ofício do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, Tomás Robi de Barros Barreto do Rego ao Governador e Capitão General da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Gomes Freire de Andrade. Vila de São João d´El Rei, 28 out. 1749. AHU_ACL_CU_023, Cx.3, D. 240”. Arquivo Histórico Ultramarino.

Assento de batismo de Thomaz Roby localizado pela equipe do Arquivo Distrital de Viana do Castelo. Livro de Baptismo da Paróquia de Santa Maria Maior (1711-1728).

Sé Catedral de Viana do Castelo – onde Thomaz Roby foi batizado. Créditos: Arquivo e Memória do Município de Viana do Castelo.

Paço das Escolas – Universidade de Coimbra. Créditos: Universidade de Coimbra.

Mapa demonstrando a jurisdição das quatro comarcas existentes em Minas Gerais no século XVIII. As divisas entre tais comarcas, vistas no mapa original, foram ressaltadas por Bruno Martins.  Mapa Topográfico e Idrografico da Capitania de Minas Geraes [Cartográfico]: toda esta capitania he coberta de mattas e só nas comarcas do Rio das Mortes, Sabará e Ferro tem manxas de Campo. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.

Assento de batismo de Thomaz Roby localizado pela equipe do Arquivo Distrital de Viana do Castelo. Livro de Baptismo da Paróquia de Santa Maria Maior (1711-1728).

Sé Catedral de Viana do Castelo – onde Thomaz Roby foi batizado. Créditos: Arquivo e Memória do Município de Viana do Castelo.

Paço das Escolas – Universidade de Coimbra. Créditos: Universidade de Coimbra.

Mapa demonstrando a jurisdição das quatro comarcas existentes em Minas Gerais no século XVIII. As divisas entre tais comarcas, vistas no mapa original, foram ressaltadas por Bruno Martins.  Mapa Topográfico e Idrografico da Capitania de Minas Geraes [Cartográfico]: toda esta capitania he coberta de mattas e só nas comarcas do Rio das Mortes, Sabará e Ferro tem manxas de Campo. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.

MÓDULO 4 - a demarcação de 1749 em São Paulo

Embora tenha registrado a aclamação de um governador em Ouro Fino poucos dias depois de ter demarcado os limites entre Minas Gerais e o Governo de São Paulo, Roby insistiu em afirmar que a referida demarcação fora realizada sem contrariedade das pessoas que se encontravam no Arraial de Santana do Sapucaí (localidade administrada até então por São Paulo). Essa versão, contudo, não condiz com o que foi registrado em São Paulo, a partir de 1749, sobre a Demarcação de Roby.

Em carta remetida a Gomes Freire de Andrade, em fins de novembro de 1749, os vereadores e oficiais de São Paulo referiram-se a Roby como o “ministro perturbador da nossa posse, paz e quietação” que segundo notícias recebidas:

“não contente com fazer sahir daquelle arraial [de Santana do Sapucaí] (...) ao guarda-mor e mais gente que com elle estavam trabalhando (...) passou o dito ouvidor a mandar pôr um marco no morro do Lopo que é termo desta cidade (...)”

Em 1764, o Cabido de São Paulo endereçou ao Cabido de Mariana um protesto contra as medidas adotadas por Luis Diogo Lobo da Silva (governador de Minas Gerais), nesse ano, quando percorreu grande parte do atual Sul de Minas Gerais para “confirmar” a Demarcação de Roby. Para os autores desse documento: “Aquella demarcação que fez o Ouvidor Thomaz Rubbi foi e é de nenhum vigor pelo que respeita ao spiritual, e totalmente nulla pelo que toca ao temporal”.

Em 1765, Dom Luis Antonio de Souza Botelho Mourão foi nomeado governador da Capitania de São Paulo. Pouco tempo depois da sua chegada ao Novo Mundo, passou a reunir informações e documentos sobre a questão da divisa entre Minas Gerais e São Paulo ordenando também o registro de depoimentos de pessoas que teriam vivenciado os conflitos verificados na década de 1740, na região do Sapucaí - como o capitão-mor de Mogi das Cruzes. Segundo o referido capitão, quando Roby chegou às margens do Rio Sapucaí, os moradores da região, arranchados na margem esquerda desse rio (onde defendiam a posse de São Paulo), impediram sua passagem. Para o mesmo capitão-mor, aquela demarcação efetuou-se somente após Roby declarar aos moradores locais que “não havia General em S. Paulo e nem se achava justiça desta Comarca que defendesse a causa [...], e nestes termos [autoridades das Minas] tomaram posse contra a vontade dos moradores”.

Ainda em 1773, Dom Luis Antônio de Souza defendia que a divisão de Roby havia tomado “todo o Certão desta Capitania [de São Paulo]”, assentando um marco divisório no Morro do Lopo, situado “ao pé desta Cidade” de São Paulo.

Outra estratégia utilizada, em São Paulo, para questionar a Demarcação de Roby foi a defesa da inviabilidade da adoção de alguns lugares citados por Roby para balizar a divisa entre Minas Gerais e São Paulo.

Isso porque, para os paulistas e partidários de São Paulo, a Serra da Mantiqueira se estendia da região de Caxambu até as proximidades da Cidade de São Paulo. Neste contexto, o Morro do Lopo não fazia parte da Serra da Mantiqueira – como apontou Roby – mas estava vinculado à Serra de Santa Isabel – cadeia montanhosa situada ao norte do Morro do Lopo.

Também é possível observar uma discussão sobre o nome da serra tratada por Gomes Freire de Andrade e por Roby como “Serra do Mogiguaçu”.

É o que pode ser visto em documento produzido pelo conde da Cunha, vice-rei do Estado do Brasil que, em 1764, passou a defender os interesses de São Paulo na questão da divisa. Referindo-se à Serra do Mogiguaçu, sustentou que “tal serra não ha no mundo” e que a cadeia montanhosa situada naquela região era chamada de “Serra do Dumba”.

Algo similar é visto em carta remetida ao rei, em 1752, pelo capitão Francisco Tosi Columbina - militar italiano que atuou em São Paulo nas décadas de 1740 e de 1750. Nesse documento, entre outros, Tosi defendeu os interesses dos paulistas na questão dos limites com Minas Gerais e questionou a divisa de 1749. Para Tosi, Gomes Freire e os do seu partido estavam enganados quanto “aos nomes das serras, e pondo estes nomes como lhes parece sem attender ao que na realidade se chamão”.

Detalhe do “Mappa da Capitania de S. Paulo e seu certão em que se vem os descobertos que lhe forão tomados para minas Geraes como também o Caminho de Goyazes, com todos os seus pouzos e passagens, delineado por Francisco Tosi Colombina, 1749”. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.

Detalhe da “Carta Chorografica da Capitania de S. Paulo em que se mostra a verdadeira cituação dos lugares por onde se fizerão as sete principaes divizoens do seu Governo com o de Minas Geraes. 1766”. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Detalhe do “Mappa da Capitania de S. Paulo em que se mostra tudo o que ella tinha antigamente the o Rio Paná”. 1773. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

A DEMARCAÇÃO DE ROBY EM MINAS GERAIS

Por sua vez, documentos produzidos em Minas Gerais, no século XVIII, “confirmam” a “existência” dos lugares citados no Auto de Roby, como verificamos em diversas cartas de Luis Diogo Lobo da Silva (governador de Minas Gerais) remetidas a Dom Luis Antônio de Souza (governador de São Paulo) entre 1765 e 1766.

Algo parecido pode ser visto em dois mapas elaborados por José Joaquim da Rocha - engenheiro militar, memorialista e cartógrafo português, que atuou em Minas Gerais, no século XVIII. Referimo-nos ao “Mappa da Comarca do Rio das Mortes” e ao “Mappa da Capitania de Minas Geraes”, ambos de 1777.

Nesses documentos, Rocha demonstra que, não obstante as dúvidas suscitadas pela Linha de Roby, (visível na tentativa de correção de conteúdos traçados antes de concluir as versões finais desses mapas), a dita divisão foi balizada pela Serra da Mantiqueira, pelo Morro do Lopo e, em seguida, pela Serra de Mogiguaçu e pela Estrada de Goiás – locais citados no Auto de Roby (de 1749).

Detalhe de “ROCHA, José Joaquim da. Mappa da Comarca do Rio das Mortes, pertencente a Capitania das Minas Gerais: que mandou descrever o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor D. Antonio de Noronha Governador e Cap. am General da mesma Capitania. Jozé Joaqm. da Rocha o fez. Anno de 1777”. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.

“ROCHA, José Joaquim da. Mappa da Capitania de Minas Geraes que mandou fazer o Illmo. e Exmo. Senhor D. Ant. de Noronha, Governador e Cap. Gen. da mesma capitania. / Jozé Joaqm. da Rocha o fez. Anno de 1777”. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.

interpretações da linha de Roby e representações da região oeste do Rio sapucaí

Conheça o conteúdo do Auto da divisão de Thomaz Roby

Cópia do "Auto da divisão que o doutor Thomaz Roby de Barros Barreto ouvidor geral e corregedor desta Comarca fez da Capitania destas Minas Gerais e Governo de São Paulo” – contido no “Ofício do Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, Tomás Robi de Barros Barreto do Rego ao Governador e Capitão General da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Gomes Freire de Andrade. Vila de São João d´El Rei, 28 out. 1749. AHU_ACL_CU_023, Cx.3, D. 240”. Arquivo Histórico Ultramarino.

“Carta Topographica da Capitania de S. Paulo e seu certão em que se vem os seus descobertos que lhe forão tomados para Minas Geraes como tão bem o Caminho de Goiazes e do Rio Grande de São Pedro com todos os pousos e passagens thé o Rio Grande Pará e dahi the a tapera do defunto Carvalho que He o limite desta Capitania nos campos das Lages. 1766”. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

“Carta Chorografica da Capitania de S. Paulo em que se mostra a verdadeira cituação dos lugares por onde se fizerão as sete principaes divizoens do seu Governo com o de Minas Geraes. 1766”. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

“Planta do novo descoberto de São João de Jacuhy”. [ca. 17--]. Coleção Cartográfica e Iconográfica do Arquivo Histórico Ultramarino. Fonte: Rede Memória - Biblioteca Nacional Digital. Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.

“ROCHA, José Joaquim da. Mappa da Comarca do Rio das Mortes, pertencente a Capitania das Minas Gerais: que mandou descrever o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor D. Antonio de Noronha Governador e Cap. am General da mesma Capitania. Jozé Joaqm. da Rocha o fez. Anno de 1777”. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.

Demarcação de Roby (em branco) projetada por Rafaela Ferreira da Silva sobre o “Mapa hipsométrico da região Sudeste” contido no Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento 12 da EMBRAPA. A linha preta representa a Estrada de Goiás. O mapa original encontra-se na seguinte obra: RODRIGUES. Cristina Aparecida Gonçalves et al. Áreas potenciais para a criação de rã -touro gigante Lithobates catesbeianus (Shaw, 1802) na região Sudeste do Brasil. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento 12. Campinas, Embrapa, 2010.

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

Arquivo Distrital de Viana do Castelo (Portugal)

Livro de Baptismo da Paróquia de Santa Maria Maior (1711-1728).

Arquivo Histórico Ultramarino (Portugal)

Carta do capitão engenheiro militar de São Paulo, Francisco Tosi Colombina, ao Rei Dom José I. Post. 3 mai. de 1752. Caixa 4. Documento: 253. AHU. Conselho Ultramarino. Brasil. São Paulo.

Ofício do ouvidor geral da Comarca do Rio das Mortes, Tomás Robi de Barros Barreto do Rego ao governador e capitão general da Capitania do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Gomes Freire de Andrade. Vila de São João d´El Rei, 28 out. 1749. AHU_ACL_CU_023, Cx.3, D. 240.

Carta de Tomas Ruby de Barros Barreto, intendente dos Diamantes, informando o rei acerca das terras que foram concedidas ao contratador de Diamantes da Capitania de Minas Gerais. Tejuco, 5 nov. 1754. AHU_ACL_CU_011, Cx. 66\Doc. 5 (1).

Planta do novo descoberto de São João de Jacuhy. [ca. 17--]. Coleção Cartográfica e Iconográfica do Arquivo Histórico Ultramarino. Fonte: Rede Memória - Biblioteca Nacional Digital. Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal)

Autos de Justificação de D. Isabel Florência do Espírito Santo e Fonseca, viúva do Desembargador Tomás Roby de Barros Barreto. 1781.

Processo de Leitura do Bacharel Tomás Rubim de Barros Barreto. 1740.

Arquivo Público Mineiro

APM. Seção Colonial. Códice 56. p. 62v. Carta do governador da Capitania de Minas Gerais, Martinho de Mendonça de Pina e Proença ao ouvidor da Comarca do Rio das Mortes. Vila Rica, 10 jul. 1737.

Arquivo Público do Estado de São Paulo

Carta Topographica da Capitania de S. Paulo e seu certão em que se vem os seus descobertos que lhe forão tomados para Minas Geraes como tão bem o Caminho de Goiazes e do Rio Grande de São Pedro com todos os pousos e passagens thé o Rio Grande Pará e dahi the a tapera do defunto Carvalho que He o limite desta Capitania nos campos das lajes. 1766.

Carta Chorografica da Capitania de S. Paulo em que se mostra a verdadeira cituação dos lugares por onde se fizerão as sete principaes divizoens do seu Governo com o de Minas Geraes. 1766.

Mappa da Capitania de S. Paulo em que se mostra tudo o que ella tinha antigamente the o Rio Paná. 1773.

Fundação Biblioteca Nacional (Brasil)

ROCHA, José Joaquim da. Mappa da Comarca do Rio das Mortes, pertencente a Capitania das Minas Gerais: que mandou descrever o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor D. Antonio de Noronha Governador e Cap. am General da mesma Capitania. Jozé Joaqm. da Rocha o fez. Anno de 1777.

ROCHA, José Joaquim da. Mappa da Capitania de Minas Geraes que mandou fazer o Illmo. e Exmo. Senhor D. Ant. de Noronha, Governador e Cap. Gen. da mesma capitania. / Jozé Joaqm. da Rocha o fez. Anno de 1777.

Mappa da Capitania de S. Paulo e seu certão em que se vem os descobertos que lhe forão tomados para minas Geraes como também o Caminho de Goyazes, com todos os seus pouzos e passagens, delineado por Francisco Tosi Colombina, 1749.

Mapa Topográfico e Idrografico da Capitania de Minas Geraes [Cartográfico]: toda esta capitania he coberta de mattas e só nas comarcas do Rio das Mortes, Sabará e Ferro tem manxas de Campo.

Biblioteca Digital do Senado Federal

APESP. Publicação Official de Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo: Divisas de São Paulo e Minas Gerais. São Paulo: Typographia a Vapor- Espíndola, Siqueira e Comp., 1896.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.

COSTA, Antônio Gilberto (org.). Roteiro prático de cartografia: da América Portuguesa ao Brasil Império. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.

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AGRADECIMENTOS

A organização da presente exposição virtual somente tornou-se possível graças à cooperação de diversas instituições e pessoas.

Registramos nossos sinceros agradecimentos ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, à Fundação Biblioteca Nacional (Brasil), ao Arquivo Público Mineiro, à Prefeitura Municipal de Silvianópolis, à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ao Arquivo Histórico Ultramarino, à Universidade de Coimbra, ao Arquivo Distrital de Viana do Castelo, ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal) e ao Arquivo e Memória do Município de Viana do Castelo.

Finalmente, agradecemos a gentil colaboração de Arlindo Vera Cruz D´Alva Gomes, de José Zenorini Neto, da Profa. Dra. Márcia Maria Duarte dos Santos e de Jonaan Carvalho.

Créditos

Prefeito Municipal de Extrema

João Batista da Silva

Vice-Prefeito Municipal de Extrema

Juliano Maximino de Toledo

Secretário Municipal de Cultura

Pablo Farina Prego Junior

Gerente

João Batista Gomes Pinto

Pesquisa e curadoria

Rafaela Ferreira da Silva

Revisão

Sandra Joana D´Arc Santana

Rosana Silva Portela

Gravação e edição de vídeos

Eduardo Neves

Eric Moura

João Paulo Lima

Leonador Araújo

Artes

Idea Publicidade

Bruno Martins

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