Em 2021, completam-se os 150 anos da criação da Freguesia de Santa Rita de Extrema. De fato, através da Lei nº 1.858, de 12 de outubro de 1871, o então Vice-Presidente da Província de Minas Gerais, Francisco Leite da Costa Belém, fez saber aos moradores dessa província que a Assembleia Legislativa Provincial decretou, e ele sancionou a referida lei pela qual, entre outros, o Curato de Santa Rita da Extrema (do Município de Jaguari – Camanducaia) foi elevado à condição de freguesia (ou paróquia). Pouco tempo depois, aos 22 de dezembro do mesmo ano, ocorreu a instituição canônica da Freguesia de Santa Rita da Extrema – como pode ser visto no Livro de Provisões da Diocese de São Paulo (1870-1872) e no Livro de Paróquias nº 1 do Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva (da Arquidiocese de São Paulo).
Visando valorizar e elucidar a história dessa promoção civil e eclesiástica - aspirada, durante anos, por moradores locais e autoridades diversas - a Prefeitura Municipal de Extrema, com o apoio da Paróquia de Santa Rita e da Memória do Judiciário Mineiro, traz aos munícipes, a Exposição Virtual "150 anos da criação da Freguesia de Santa Rita de Extrema (1871-2021)”.
Para tanto, a mostra apoia-se em documentos pertencentes ao Arquivo Paroquial de Santa Rita de Extrema, ao Arquivo Paroquial de Camanducaia, ao Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva, ao Arquivo Público Mineiro e à Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Também utilizamos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino (Portugal), da Fundação Biblioteca Nacional e do Museu da Memória do Judiciário Mineiro (Mejud) - do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Diante das fontes documentais levantadas, foi necessário dialogar com autores que abordam temas relacionados à história da Igreja Católica no Brasil, à história da Assembleia Provincial de Minas Gerais, à legislação de Minas Gerais e do Império do Brasil, entre outros assuntos.
A presente exposição foi organizada em quatro módulos. No primeiro módulo, apresentamos um resumo dos antecedentes da edificação da Capela de Santa Rita – filial à Matriz de Camanducaia. Nesse espaço, vemos como a implantação do Registro do Jaguari (1764-1765) foi um fator que influenciou o início de uma concentração populacional nessa região – concentração que ganha novos contornos com a edificação da referida capela. No segundo módulo, vemos como, em 1832 (ano em que Dom Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade era bispo da Diocese de São Paulo) a Capela de Santa Rita obteve a provisão de Capela Curada (ou curato). No terceiro módulo, vemos como, anos antes da sanção da lei que elevou o curato à condição de freguesia, moradores de Santa Rita (de Extrema) e autoridades civis e eclesiásticas do Império do Brasil mobilizaram-se para que Santa Rita (da Extrema) alcançasse o status de freguesia. No quarto módulo, tratamos da Lei nº 1.858 de 1871 (que elevou o curato à categoria de freguesia) e do contexto no qual tal lei foi decretada e sancionada. Também demonstramos que, em fins do referido ano, aconteceu a instituição canônica da referida freguesia. Finalmente, apresentamos alguns registros efetuados nas décadas de 1870, 1880 e de 1890 sobre a Freguesia de Santa Rita de Extrema – localidade que pela Lei nº 319, de 16 de setembro de 1901, obteve a sua emancipação político-administrativa e que, por meio da Lei nº 663, de 18 de setembro de 1915, passou a denominar-se Extrema.
1764 - Preocupado com a possibilidade de precisar impor aos habitantes de Minas Gerais um imposto extra para completar a cota de cem arrobas de ouro (que Minas Gerais deveria enviar anualmente ao Reino), Luís Diogo Lobo da Silva, Governador de Minas Gerais, resolveu, no segundo semestre de 1764, percorrer localidades que então se situavam, em grande medida, em uma zona disputada entre autoridades de Minas Gerais e de São Paulo.
Por considerar que, pela Demarcação de Roby (divisa entre Minas Gerais e São Paulo estabelecida em 1749), a região visitada (grande parte do atual Sul de Minas Gerais) pertencia à Capitania de Minas Gerais – e que, portanto, os habitantes dessa zona (onde novas minas estavam sendo descobertas) poderiam contribuir com a arrecadação de Minas Gerais, Luís Diogo, durante essa viagem, buscou reafirmar a posse de Minas Gerais na região e adotar medidas para evitar os extravios de ouro.
Para isso, entre outras ações, criou esquadras de infantaria e cavalaria e ordenou a mudança e o estabelecimento de registros, como é o caso do Registro do Jaguari. De fato, em documento elaborado em São João del Rei, após o fim de sua viagem, Luís Diogo fez registrar que era conveniente que o antigo registro chamado Mandú devia “passar ao Rio chamado Jaguari” (situado a um dia de marcha regular adiante de Camanducaia). De acordo com a Professora Angela Vianna Botelho, Registro é a:
(...) expressão abreviada de registro de contagem. Postos de arrecadação dos direitos de entrada e de impostos (...), localizados estrategicamente em cruzamentos de rios, desfiladeiros, caminhos de acesso e no interior das Minas Gerais. (...) Cada registro mantinha um funcionário - fiel, representante do contratador, uma guarda militar e um escrivão, responsável por anotar o aspecto físico, as mercadorias do viajante e a quantia a ser paga.
Nos documentos produzidos no século XVIII, é comum encontrarmos a grafia “REGISTO DO JAGUARI”. No Dicionário do Padre Raphael Bluteau, de 1728, vê-se que a palavra REGISTO poderia apresentar a grafia REGISTRO. Algo parecido é visto com o verbo REGISTAR ou REGISTRAR. As formas “REGISTO” e “REGISTAR”, atualmente pouco usadas no Brasil, ainda podem ser vistas em Portugal.
Miguel Álvares Castello, em carta endereçada ao Desembargador Provedor da Real Fazenda de Minas Gerais, demonstra que, em março de 1765, o Registro do Jaguari está em funcionamento.
Em 1768, quando Miguel Álvares Castello era Administrador do Registro do Jaguari, foi registrado no Livro de Rendimentos das entradas de gêneros do Registro do Jaguari que, no dia 19 de fevereiro do referido ano, João Marques, “morador ao pé do Registo do Jaguary”, passou pelo referido registro com uma carga de produtos. Trata-se da primeira evidência de que pessoas passaram a morar nas proximidades do Registro do Jaguari.
Em 1776, o Vigário de Camanducaia, João Manuel da Silva, registrou o falecimento de moradores “do Lugar do Registo”. De acordo com Cláudia Damasceno Fonseca, o termo “LUGAR”, no século XVIII, poderia ser utilizado para indicar lugares pequenos “ocupados de maneira estável".
Em 1781, o Vigário de Camanducaia, João Caetano de Andrade, registrou a morte de uma criança – cujo corpo foi sepultado no “Cemitério do Registo” – indício de densidade populacional. À luz do Dicionário do Padre Bluteau, de 1728, entendemos que, nesse período, um CEMITÉRIO era “um lugar sagrado, ou benzido pelo Bispo, em que enterram os corpos dos defuntos, mortos no grêmio da Igreja (...)”.
Em 1786, o Vigário de Camanducaia, Bernardo de Sam Payo Barros, registrou o falecimento de pessoas (entre estes: José Marques e Teodosio
Candido de Mello) que se encontravam no “Bairro do Registo”. À luz do Dicionário do Padre Bluteau, de 1728, entendemos que então um BAIRRO
possuía “suas casas, & ruas” - indício de densidade populacional.
Na segunda metade do século XVIII, a região atualmente conhecida como Sul de Minas Gerais passou por transformações importantes, como um
crescimento demográfico considerável, o incremento da produção agropecuária dessa região, entre outros. De acordo com Fernanda Borges de
Moraes, no final da segunda metade do século XVIII, ocorreu o “o deslocamento do eixo econômico da Capitania [de Minas Gerais] para a região
da Comarca do Rio das Mortes” – cuja jurisdição compreendia grande parte do atual Sul de Minas Gerais.
De acordo com registros efetuados em 1812 e em 1815, pelo Vigário de Camanducaia, Padre José Maria de Moura Leite, nesses anos, celebrações de matrimônios foram realizadas no Registro do Jaguari, na presença do visitador diocesano do Bispado de São Paulo, Antonio Pais (ou Paes). Entre os noivos e as testemunhas, constam moradores do Bairro do Registro, do Bairro da Itapeva, entre outros lugares. Tais celebrações evidenciam que até então a localidade não possuía uma capela (ou uma capela reconhecida pela autoridade eclesiástica).
Segundo Hiansen Franco, na década de 1810, Dom Mateus de Abreu Pereira era bispo da Diocese de São Paulo. De acordo com o mesmo autor, Antônio Paes de Camargo, entre 1809 e 1815 realizou, como visitador diocesano, três visitas pastorais à região (do atual Sul de Minas) que então estava sujeita à jurisdição do Bispado de São Paulo. A Igreja Católica, através dos documentos resultantes do Concílio de Trento, determinou que os bispos deveriam visitar pessoalmente o território de suas dioceses anualmente ou, mediante justa alegação, fazê-lo por meio de um representante. Nesses documentos, disponibilizados na íntegra, no Portal Agnus Dei, vemos que as visitas objetivavam, entre outros, “introduzir a doutrina salutar e católica. E expelir as heresias, promover os bons costumes e corrigir os maus”. Em um contexto mais amplo, é preciso lembrar que em 1815, foi criado o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves - poucos anos após a chegada da Família Real. Nesse período, diversas capelas foram construídas na região da Freguesia de Camanducaia.